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segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Discursos de Moda: Semiótica, design, corpo.

A semiótica aproxima-se das produções de textos e de discursos do nosso, mundo contemporâneo. Na moda, seus textos/objetos-roupas passam pelo crivo de leituras que extrapolam a sua funcionalidade e adentram às questões de sua valoração subjetiva, quer pela eleição de grupos que atribuem à roupa determinados valores agregados, quer pela identificação do sujeito usuário de um objeto que lhe determina traços de identidade.

A moda pode ser estudada por meio de uma serie de possibilidades, principalmente pela relação conjuntiva entre a roupa e o corpo, reconhecendo traços identitários de um sujeito inserido num determinado tempo e espaço. Mundos possíveis que trazem no seu bojo a ilusão de realização plena do sujeito, dadas as possibilidades de o seu corpo ser o suporte experimento de extensores vitais ao ser humano.

A semiótica contribui para a exploração de possibilidades de estudos das bases de todas as formas de comunicação, sempre inseridas num contexto com o qual dialogam de modo explicito o não. A roupa é descrita por seus constituintes e, às vezes é relacionada ao corpo sujeito usuário.

Nem sempre o que se apresenta na moda de passarela é o que será visto no uso cotidiano. Abre-se o caminho para novos estudos de moda: as tendências. A roupa deixa de ser analisada como objeto construído e passa a ser entendida como um objeto em construção. A roupa como objeto é revestida de valores para o sujeito que a porta e, ao mesmo tempo, recebe uma leitura “estética” daqueles que a vêem no sujeito. Porém, no segundo caso, antes de ser usada por um sujeito ela se apresenta como projeto, fruto de pesquisas diversas por parte do criador, seu resultado é o que dialoga com mundos possíveis e imaginários, cujos traços podem ou não ser instauradores de desejos e necessidades do sujeito consumidor/usuário, que vê, então, na moda apresentada, possibilidades para a sua própria construção identitária.

A moda, analisada pelo ponto de vista das relações interativas que são estabelecidas entre ela e o corpo, como uma extensão do próprio corpo do sujeito, e uma das facetas de sua construção identitária. Corpos e roupas significam e comunicam, em dados contextos, poderes e saberes de sedução, de tentação, de provocação e de intimidação, passam pelo crivo da adequação /inadequação.

O corpo, por si só e sua materialidade e por sua mobilidade natas significa e conduz, em maior ou menos grau, a certo tipo de relação interpessoal. A moda que veste tais corpos contribui para os sentidos de presença apontados. Segunda ou primeira pele, a moda significa, discursiviza e manifesta traços da identidade do sujeito, assim como a sua subjetividade.

Moda é um movimento social. Por meio dela, os sujeitos significam e, assim, fazem parte de sua identidade os modos como ele se veste. Assumir determinada moda, passada, passageira, presente, etc. é identificar-se com os discursos sociais, estabelecendo acordos ou polemicas com eles, mostrando-se, o sujeito, tipos de relações estabelecidas com sua respectiva cultura. O sujeito seleciona determinadas combinações que revelam um uso individual. Este é ilusório, pois todas as seleções estão previstas no próprio sistema. Imaginar que se está sendo “único” com esta ou aquela roupa é uma inverdade, nesse movimento discursivo da unicidade, padronizam-se estilos, tipos, grupos, etc. Modos da massa também são reapropriados pelos criadores de moda, que os desenvolvem após as pesquisas e “acertos”, ostensivamente à sociedade.

Nus somos desprovidos de conotações, como se fossemos um texto com um significado único. Os corpos são redesenhados com marcas da contemporaneidade. Ressignificadas, as marcas corporais – tatuagens, piercings, próteses diversas – concorrem, do ponto de vista do espaço do corpo, com celulares, computadores pessoais e demais acessórios de moda. Esse corpo redesenhado e ressignificado, carrega em seu bojo os ares destes tempos, mostrando-se completamente “aberto” às experiências promovidas por modus veladamente não aceito por nossa sociedade contemporânea.

Entender a curiosidade, que é uma paixão, como propulsora da ação do sujeito é o que nos importa, o sujeito vai, a partir do “querer ser” ou do “querer saber”, construir-se como ser competente para realizar determinadas ações que possam assegurar-lhe o término da “falta de conhecimento/informação” que tem. Quando atinge esse interno, sente-se realizado, mas pronto ou disposto a vivenciar “novas curiosidades” e sana-las.

Centrado no plano do conteúdo, as linhas de pesquisa da semiótica são compostas pelos níveis fundamental, narrativo e discursivo. Fundamental é a identificação da oposição, valores abstratos, noções de semelhança e diferença, a afirmação de um termo e a negação do outro. No narrativo os objetos com os quais se relacionam os sujeitos são revestidos de valores, noções de espetacuralização, construção para um momento. Discursivo apreende-se as figuras que são elementos concretos aos quais subjazem temas, que são os abstratos, é o que se da para ver em um primeiro momento.

Algumas manifestações textuais como geralmente ocorrem com os textos da moda, não podem ter centradas suas análises apenas no plano de conteúdo dos textos. Assim, é a expressão ou a manifestação textual que será analisada.

A noção de semelhança e de diferença é basilar para o entendimento dos elementos constituintes do nível fundamental do percurso gerativo do sentido. Os discursos sempre figurativizam os elementos de oposição que discutem e, além disso, elegem um em detrimento do outro. Na língua, sabemos caracterizar ou dar atributos ao que julgamos “feio” ou “bonito”.

Dependendo de nossas crenças, valores, concepções de mundo, etc., vamos preencher cada uma dessas posições com “figuras” ou termos da língua: “homem”, “mulher”, “homossexual masculino”, “homossexual feminino”, “metrossexual”, etc. Isso não é problema, pois a idéia de concretização “da coisa” está dada e está sendo veiculada pelo próprio discurso. A todo momento trabalhamos com a apreensão de semelhanças e diferenças, das mais abstratas às mais concretas, conforme prevê o percurso gerativo do sentido. A partir do eixo tratado, outras possibilidades de estudo começam a surgir, a exemplo das construções do “corpo humano” que pode ser analisado também dessa mesma perspectiva.

A cada construção é possível apreender o que está “por trás” das opções, pois o próprio “recorte do mundo” para explicá-lo revela o universo em que se insere o produtor do texto, seu ponto de vista sobre os sujeitos, suas ações e suas paixões.

A materialidade vem a ser um componente importante na edificação do sentido e, por isso, não pode ser desconsiderada. A materialidade torna-se elemento significante das produções propostas.

As produções textuais que levam em conta a materialidade são de longa data, sendo elemento essencial para muitos artistas contemporâneos, a exemplo da “performática” Orlan, cujo corpo passa por inúmeras cirurgias para ser modificado: a materialidade, no caso, é a própria carne humana; “descarnada” ou não, ela porta marcas dos nossos dias atuais.

Diferentes tramas de fios, formas de entrelaçamento, espessura e efeitos da tatilidade contribuem para a elaboração de peças do vestuário que reclamam à analise de sua materialidade. Juntamente com as formas propostas pelo corte e pelas cores da peça, a textura contribui para os processos de re-criação do corpo em movimento.

A expressão visual significa muitas coisas, em diferentes circunstâncias e para pessoas diversas. É o produto da inteligência humana de enorme complexidade, da qual temos uma compreensão muito rudimentar.

No nível narrativo trabalhamos com a noção de espetacularização, em cujo palco constroem-se sujeitos que são manipulados, objetos são tidos como necessários ou queridos, sujeitos que agem e que são sancionados por suas ações.

O que se apresenta na passarela, sabemos, é uma “tendência à/ao”. Podemos considerar os desfiles como destinadores manipuladores, que visam fazer com que o outro faça, ou seja, àqueles que assistem. É obvio que algumas peças não serão utilizadas, elas são uma forma de fazer ressaltar uma tendência, um determinado conceito.

A concretização ou a figuração desse destinador manipulador que apontamos como “desfile” pode ser realizada a partir de um estilista criador ou de uma empresa em particular.

De outro ponto de vista, verificamos que cada estilista criador ou empresa que “lança moda”, no senso comum, executa uma serie de ações ou de fazeres para traduzi-las em suas criações. Seu trabalho consiste em pesquisas de campo de ordem diversa: estudos sobre cores e contrastes, estudos cobre formas e materiais, estudos sobre espaço, estudos sobre as relações entre corpo e indumentária (roupas e acessórios), estudo sobre o comportamento “de rua”, etc. A roupa, vinculada a um criador, a uma marca ou a um estilo, a que subjaz uma serie de discursos: da confortabilidade, contemporaneidade, novidade, exclusividade, leitura cíclica dos movimentos da moda, etc.

O manipulador criador como sujeito de um fazer, cujo resultado se concretiza nas roupas apresentadas nos desfiles de passarela e, nesse percurso, constitui-se como um manipulador destinador aos que o assiste: os especialistas de moda, os jornalistas e o publico em geral.

Esse ciclo de ações, aceitações ou recusas, acontecem de modo sazonal: a cada estação, novas tendências são lançadas e fazem parte das pesquisas de ordens diversas, muitas vezes saídas da moda que já se encontra nas “ruas”.

Ao assumir esta ou aquela moda ganha forma essa pratica social sem a personificação de um “ditador de moda”, e é ela quem direciona concretamente os modos e as maneiras de serem usadas determinadas vestimentas, de acordo com as estações, as situações sociais, etc. “Agimos” segundo nossas vontades, mas o movimento que se apresenta é sempre inverso: “somos agidos”. Segundo os discursos dobre a moda, há uma infinidade de escolhas que o sujeito pode fazer, mas isso se mostra como estratégias de marketing, pois, os discursos da moda, ao contrario, mostram que ela é soberana, e limita nossas escolhas.

O esquema narrativo canônico compreende quatro fases, que são mais desenvolvidas ou menos desenvolvidas nas historias: a manipulação, entendida simplesmente como um “fazer”, é o momento em que se instauram no sujeito as modalidades virtualizantes; a competência, entendida como um “ser do fazer” (o que é preciso para que o sujeito aja?), recobre a atribuição ou aquisição das modalidades atualizantes; a perfórmance, que é entendida como um “fazer ser”, isto é, a ação proposta na manipulação, constitui-se como modalidade de realização; e, por fim, a sanção, que é descrita como o “ser do ser”, ou seja, qual é o estado final da ação e do próprio sujeito que a realizou, recobre as modalidades veridictorias.

Manipulação: os estilistas desejam elaborar criações que possam cair no gosto do publico, os consumidores, desde a apresentação dos produtos, deseja tê-los. Competência: o estilista, para a produção das coleções a serem apresentadas no desfile, desenvolve-se uma serie de programas narrativos paralelos, buscam conciliar resultados de pesquisas de diversas ordens: da tecnologia têxtil aos movimentos de rua, o consumidor pressuposta pela própria ação: o sujeito tem dinheiro para comprar os produtos e sabe onde encontra-los. Perfórmance: o estilista apresenta as coleções em desfile, divulga a marca, o consumidor adquire os bens apresentados nas coleções, conjunção com os valores subjetivos veiculados pela marca dos produtos. Sanção cognitiva, os organizadores, consumidores e a mídia aceitam e contribuem para a divulgação dos produtos, uma vez que reconhecem valores positivos no que foi apresentado pelo estilista, o consumidor reconhece-se e é reconhecido pelos outros como portador do objeto adquirido ao qual são agregados os valores da marca. Sanção pragmática: após o reconhecimento positivo que envolve os lançamentos apresentados, o grande publico passa a adquirir o produto revertendo as criações em valores financeiros para o sujeito, então representados por empresas, o estilista é convidado a continuar uma serie de trabalhos de produtos de moda, o consumidor é aceito, por exemplo, por grupos restritos.

A moda, como objeto, carrega os valores atribuídos pelo discurso da marca, e esses são extensivos para os sujeitos que estão em conjunção com eles. Nesse sentido também é possível apreender valores dos mundos possíveis, desejados, queridos, imaginários com os quais os sujeitos se relacionam, uma vez que tais mundos atravessam as campanhas de divulgação de marca e de produção da roupa. O sujeito torna-se apto a executar performances, reais ou imaginarias, e isso só é possível, ele crê, por causa da conjunção com o produto e com os valores a ele atribuídos.

Em torno dos lançamentos de moda, a sociedade de consumo desenvolve uma paixão - em termos semióticos – pelo acumulo de bens, tal o frenesi desencadeador do desejo de possuir determinado objeto, que é apresentado nas campanhas como algo necessário e imprescindível para o sujeito consumidor.

O discursivo não é apenas o conteúdo suportado pelo texto, é também o modo como se concretizam as oposições do nível das estruturas fundamentais, os sujeitos, os valores e os objetos apresentados no nível das estruturas narrativas num revestimento semântico no nível das estruturas discursivas, que é o que se dá a ver num primeiro momento no texto, assim como nas opções utilizadas para a colocação do sujeito como construtor de um discurso. O discurso não é apenas o conteúdo, mas as opções de combinatória realizadas nos três níveis do percurso gerativo de sentido. O discurso é analisado do ponto de vista de um sujeito que se constrói no e pelo próprio discurso, e a partir do qual se estabelecem diálogos com outros discursos, entendidos como práticas sociais.

No nível das estruturas discursivas, estudem-se a organização das figuras e os temas que a elas subjazem que vão recuperar concretamente os termos encontrados no primeiro nível da geração de sentido e que passaram por novos revestimentos semânticos no nível das estruturas narrativas.

Intertextualidade e análise do plano da expressão vão estar relacionadas a sujeitos e objetos circulantes no espaço da “historinha” – ou narratividade – é assumida por alguém que a conta, o sujeito do discurso, que preenche o discurso como figuras e temas. O texto “pronto”, por sua vez, pode ser relacionado a outros textos, estabelecendo diálogos com eles.

Se pensarmos em leitura intertextual, devemos nos lembrar que há, por trás dela, um texto base. Reconhece-lo e procurar explicita o diálogo intertextual proposto é uma tarefa do analista. Mesmo as praticas sociais do cotidiano são passiveis de serem interpretadas por esse viés: alias, quanto maior for o nosso conhecimento de mundo a respeito da produção humana, mais argumentos teremos para uma boa análise e interpretação de nossos respectivos objetos.

As tendências apresentadas em um desfile compõem o estilo de um estilista. No que apresenta um traço de indumentária, quar a cor, quer a forma, quer o tipo de tecido/material, quer o acessório, perpassa por toda a coleção do criador.

Por meio do plano da expressão, que se pode recuperar os outros textos. No caso do texto visual, trabalhamos predominantemente com as categorias da expressão denominadas de cromática (relativo a cor), eidética (relativo a forma), topologia (relativo a espaço ou à sua organização) e matéria (relativo a matéria). Analisar os textos visuais por meio de tais categorias é assumir um discurso analítico/interpretativo que vai alem do conteúdo que o texto apresenta, pois adentramos os domínios labirínticos de sua forma de expressão.

O plano de expressão “suporta” o plano do conteúdo e, por isso, se aquele for também analisado, mais bem desenvolvida será a apresentação da leitura proposta.

É necessário, no momento da análise, reconhecer categorias ou traços diferenciais do plano da expressão que serão concretizados em elementos que se oporão de modo a construir com o sentido do “texto” analisado. Dadas as apresentações iniciais a respeito das categorias da expressão do texto visual, partimos para suas particularizações baseadas em exemplos das artes plásticas e de “leituras de moda”.


BIBLIOGRAFIA

CASTILHO, Kátia; MARTINS, Marcelo M. Discursos de moda: semiótica, design e corpo. 1ª ed. pg. 52-85. São Paulo: Anhembi Morumbi, 2005.

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